Palestra - Alison Entrekin - A reconstrução de Grande Sertão em inglês

Primeira palestra da Alison para tradutores e em um congresso.


Grande Sertão: Veredas é um livro de João Guimarães Rosa escrito e publicado em 1956. A primeira tradução feita para o inglês ocorreu em 1963 por uma editora importante e em virtude de um 'boom" da literatura latino americana nos EUA. A primeira edição teve cortes de frases e parágrafos inteiros (partes mais obscuras). A tradução foi feita inicialmente por Harriet de Onís, que em determinado momento abandonou o trabalho. E a partir de então essa primeira versão foi finalizada por James Taylor. Naquela época não havia o léxico de Guimarães Rosa, grupos de Facebook etc. Então a pesquisa era bem mais difícil.

Houve também muita correspondência entre eles (tradutores anteriores) e os tradutores italianos. A Alison lê essas correspondências entre os tradutores anteriores para interpretar os trechos mais complexos da obra. A primeira versão em inglês vendeu menos do que duas mil cópias e caiu no esquecimento. Guimarães Rosa era regionalista e isso não era esperado dele. E a primeira tradução não ousou, traduziu a história criando um paralelo com o faroeste americano. Isso empobreceu a obra. Mesmo assim, há quem goste dessa versão de 1963. Em 2014 agência literária que representa a obra entrou em contaro com a Alison propondo a tradução do livro para o inglês, mas ela achou que a ideia não fosse adiante. Preparou, em três semanas, uma amostra com três páginas traduzidas da obra e a agência gostou. O livro possui 600 páginas e usa uma linguagem mais difícil / elaborada. Precisa de uma verba relevante. E são necessários muitos anos de venda para reaver esse investimento. Por onde começar? O primeiro passo é o rascunho, seguido da leitura do livro e da releitura, agora de forma crítica.

O rascunho e a leitura foram necessários para direcionar a pesquisa. A Alison leu correspondências trocadas entre a primeira leva de tradutores da obra. Ela considera a versão em inglês boa, mas ao cotejar ela viu que eles achavam muito sentido onde havia nebulosidade. E usa uma linguagem muito literária onde a linguagem oral seria mais adequada. Então ela abandonou a leitura da primeira tradução. Nas partes mais difíceis ela acaba consultando a tradução em italiano. 

Guimarães Rosa tem anotações de tudo que ele via no sertão. Isso ajuda muito no processo de pesquisa. Ele anotou tudo à mão, datilografou e fez um índice.

Como esse projeto não é uma tradução convencional, e sim uma “recriação” ou “reconstrução”, a Alison precisou recorrer a várias fontes de pesquisa. Por exemplo, ela esteve na casa de uma professora da UERJ que pesquisava Guimarães Rosa e que teve contato direto com ele. Alison tirou mais de 500 fotos das anotações. Alison citou um estudo morfológico, desenvolvido por Haroldo de Campos, abordando as palavras criadas por Guimarães Rosa, a sintaxe "torta' de Guimarães Rosa.

Minas Gerais é o local onde mais se preserva o português arcaico. 

Outras fontes de pesquisa da Alison, além das já citadas acima:
=> "O Lexico de Guimarães Rosa", de Nilce Sant'Anna Martins
=> "Universo e Vocabulário de Grande Sertão", de Nei Leandro de Castro

Junto com essa fortuna crítica, a Alison foi colocando a "mão na massa" e iniciando a tradução. Atualmente ela trabalha com uma colega que se formou com ela na Alumni. A colega revisa o que a Alison marca como tradução ou interprteação dúbia/nebulosa e dá um feedback. Ela também faz a revisão geral das partes prontas. Duas vezes por semana elas debatem sobre o que já foi feito e o que está em progresso. Ao se reunirem e formularem perguntas e questionamentos sobre determinados trechos, as duas conseguem chegar ás conclusões necessárias para "desvendar" algumas soluções tradutórias. Elas traduzem e criam siglas para se falarem. Ex.: "vdb", que significa "valor do bonitinho" (é a beleza da palavra que conta às vezes -- não só o significado). Elas também fazem a parte da conceituação (ex.: 'que graça tem esse livro, essa frase, essa expressão? como transporto isso para o inglês?")

Fase de rascunho
Extração de sentidos (espremendo)
Elaboração posterior
Ela não tem como elaborar e propor algo sem pesquisar sobre a sintaxe invertida e as minúcias de cada texto.
Controle do cronograma: fase de debate, pesquisa, rascunho.

A tradução de Grande Sertão Veredas é na verdade uma transcriação, com muitas perdas e a busca de ganhos para compensá-las. Haroldo de Campos: 'O grande protagonista de Grande Sertão Veredas é a língua". Guimarães Rosa foi "garimpeiro" da língua, mas com muita criação. Ele inverte as frases o tempo todo, usa frases 'trançadas".

Uma das decisões cruciais desse projeto foi a escolha do inglês a ser usado na tradução. Havia necessidade de evitar os regionalismos (palavras, locuções próprias de uma região), fugir do "faroeste americano", ir para o inglês mais universal. E o fato de a obra original ter muita criação de palavra que não existe em nossa língua acaba sendo uma boa saída para a Alison criar também palavras novas em inglês. Ou seja, ela precisa buscar um inglês universal e inexistente (uma tarefa que exige sensibilidade e criatividade).

Alguns exemplos de palavras "decifradas" durante a leitura e pesquisa da obra: demorão = temporão; promiúdo = pormenor (analogias).

Outras passagens exemplificadas durante a palestra, ilustrando o tipo de linguagem usada por Guimarães Rosa no livro: "semi-sério, ele se riu"; "os soldados aiando gritos se abraçavam com os animais caintes". => the soldiers howlering, flinging their arms around the falling animals (houve perdas, mas isso muitas vezes é inevitável).

Características do texto de Guimarães Rosa nessa obra: redundâncias, repetições; sintaxe invertida (sorteada), frases ambíguas, onomatopeias (precisam de transliterações), aliterações etc. 
Exemplos:
"até a hora de cada um a morte cantar" => "till at the hour of each death sings"; "diário de se valer com o que comer" => "daily what to eat to get by".
"o suíxo manso dum córrego" => "the sof swish of a stream".
"estripitriz" => "striptress" (profissão). 

"A where the person goes" =. adjetivo no lugar do advérbio em inglês; "A body has to cling the courage" ("a body" no sentido de "you" genérico).

Quando a Alison não encontra teorias sobre a linguagem do Guimarães Rosa, ela cria a sua própria teoria. Ex.: "dependeu", em um trecho específico, foi interpretado pela Alison como "derrepent deu" ("a saudade que me dependeu" => muita sensibilidade da Alison em perceber esses detalhes). Outro exemplo: "em tal" => "então"

Para "superar" e reproduzir essas armadilhas do texto, ou seja, para resgatar o sentido original, é preciso azer essa elaboração/transcriação em inglês, mantendo a ''magia" da obra, as aliterações, controlando perdas e buscando compensações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário