Oficina de Tradução Audiovisual - Claudia Soares Cruz

Oficina ministrada por Claudia Soares Cruz (Companhia da Palavra)

Sobre a empresa: “a Companhia da Palavra foi criada com o objetivo de promover a comunicação. Comunicar é partilhar ideias, conhecimento, conceitos. É construir uma ponte entre você e o mundo”. Dentre as traduções realizadas pela empresa há peças teatrais, roteiros de filmes e contratos de produtoras. O público alvo da Companhia da Palavra é composto, em sua maioria, por diretores, roteiristas e produtores. Uma das principais parceiras da empresa é produtora de filmes O2 (http://www.o2filmes.com), para a qual prestam-se serviços de tradução de contratos e de roteiros.

Tradução de roteiros:

A tradução do roteiro é só o início do processo, uma vez que várias adaptações – tanto técnicas quanto culturais – precisam ser feitas ao longo de cada trabalho. E tudo é revisado com muito afinco. A oficina abordou alguns aspectos específicos sobre a tradução de roteiros, dentre os quais foram destacados: fluência e  exatidão (preservação do ritmo e do estilo do texto original), conjunto de recursos expressivos utilizados durante a tradução, sensibilidade na leitura do texto original e reinterpretação do texto na busca da preservação de seu sentido

Programas usados na tradução: 1) Final Draft: programa caro, tem ferramentas desnecessárias, pois só são usadas pelo roteirista; 2) Free Trial: é interessante para quem escreve roteiros (distribuição de cenas/personagens, quanto cada um tem de fala...). Cada pessoa envolvida nas cenas marca o que a interessa no roteiro, dependendo da sua função dentro da produção (atores, produtores, etc). O produtor, por exemplo, tem que saber quantas cenas serão gravadas em determinada sala ou ambiente, para que assim possa gravar tudo de uma vez só. Isso muitas vezes é complicado para o ator, pois a sequência de cenas em determinado local acaba não seguindo o cronograma do roteiro; 3) Celtx: tem uma versão mais profissional e uma mais básica.

Exemplos sobre 
dúvidas específicas relacionadas à tradução de roteiros: Woody Allen é verborrágico. Ele fala muito (e fala rápido). Isso demanda uma adaptação do diálogo para a legenda, mas o roteiro não é alterado. Outras situações não adaptadas no roteiro: personagens que falam ao mesmo tempo (diálogos simultâneos -- sejam diálogos diretos ou falas paralelas de personagens), descrições, vocabulário, peculiaridades de como cada personagem fala, sonoridade, oralidade, registro, piadas, jogo de palavras, alusões, citação, nomes, cultura, tamanho, notas do tradutor e rimas. Quando o personagem fala de forma muito estranha, o roteiro traz observações sobre aquele tipo de fala.

A estrutura do roteiro:
O cabeçalho traz informações sobre o tipo de gravação (interna/externa), o local da gravação, o turno. E no corpo do texto são apresentadas as ações e os respectivos diálogos (dependendo do programa utilizado, há um filtro para alrernar entre esses itens).
=> dialogue
=> scene heading (local onde a cena é gravada)
=> action

Quando todas as informações são inputadas, formata-se o arquivo em pdf. Os softwares de roteiros são bem fáceis de usar.


A Bíblia/The Bible 
É um importante documento para a produção serializada de televisão. A Bíblia compreende as "verdades" com as quais a série e todos que a compram "concordam". É usada tanto na venda da série - para que o comprador consiga visualizar o que ele estará comprando na cauda longa - quanto no decorrer da mesma, para que o time criativo não se perca. (Obs.: definição retirada do site http://www.saladosroteiristas.com.br, pois durante a palestra acabei não anotando a definição exata desse tipo de documento em uma produção).

Constam na "bíblia": 
=> as descrições dos personagens
=> a sinopse piloto
=> o roteito piloto
=> sinopse e episódios
=> futuras temporadas

Conceito de série: personagens principais, universo onde a série acontece, sinopse dos episódios, arco da temporada. 
"O Grande Gonzalez" => a Companhia da Palavra fez a versão do projeto audiovisual e do roteiro, incluindo:
=> logline dos episódios (uma única frase que descreve a história; é o conceito de um filme ou de um episódio em uma ou duas frases; um "resumão" -- cada episódio pode ter um logline)
=> sinopse dos episódios (mais detalhada do que o logline)
=> perfil dos personagens
=> piloto

Alguns conceitos adicionais:

Rubrica: descrição do lugar, descrição da ação.

V.O e O.S. => "voice over" (quando o áudio original fica mais baixo, mas ainda assim audível; e o áudio traduzido fica sobreposto em primeiro plano) e "off screen" (quando um personagem fala, mas outro aparece na tela)


Argumento: documento mais detalhado do que a sinopse. A sinopse é um resumo do roteiro. O argumento apresenta as características dos protagonistas, as cenas principais, o enredo em geral, ou seja os elementos básicos de um roteiro. O intuito disso, é gerar curiosidade para que a pessoa crie em relação ao roteiro.

Exemplo de trechos de roteiros:
1) Filme: Trash, a Esperança vem do Lixo (o roteiro foi traduzido pela Claudia)
“Murphy fires through the car"
“No one comes out from the other side” (ou seja, o cara morreu -- manter a metáfora)
2) Pablo is driving in the front seat (observação um tanto quanto óbvia, ninguém dirige no banco de trás)
Camera pulling back to reveal his cousing, Gustavo 
Camera rises higher
Camera still higher – overhead shot
Para ver outros exemplos, basta procurar na Internet. É fácil encontrar roteiros americanos online.

Decisões tradutórias:

Estrangeirização: trazer o que é diferente; domesticação: facilitação. Exemplo de estrangeirização: uma história que se passa na Rua 58 em Manhattan -- a fala poderia dizer simplesmente “na rua”, mas insistiu em “rua 58” para levar o leitor para aquele ambiente. Exemplo de domesticação: “Cranberry” não era comum nos anos 90 e foi traduzido como “Oxicoco”. Clarice Lispector: peculiaridades da fala -- traduzir procurando não trair. Cada personagem tem uma entonação própria e por isso precisamos das palavras e do tom apropriado. Brilli-ant. Ge-ni-al; “artsy fartsy” um jeito “artístico”.

Sonoridade: o tradutor deve confiar também no juízo do ouvido para não arruinar e alterar aquilo que em um texto é expresso como elegância e sentido de ritmo -- Leonardo Bruni. Evitar cacofonia, trava-língua,  buscar ritmo e equilíbrio. Omatopeia é algo raro em roteiro originalmente escrito em português. “The elevator pins”: o elevador faz pin -- coloca-se observação. “Dei um soco no cara e boom, ele caiu no chão” - o inglês é uma língua de muita onomatopeia, com verbos criados a partir de onomatopeia. Marca de discurso: “you know you really don’t need those” para passar a mesma ideia e entonação desejada, em vez de traduzir como “você sabe que não precisa disso”, acrescentamos o "né"? => “você não precisa disso, né?”; Marcas de oralidade em discurso: carioca “éééé”, paulista “âââ”. "O que que foi isso? "Por que que você fez isso? (nós costumamos acrescentar um "que" no meio da pergunta; dificilmente falamos "o que foi isso?", sem essa repetição). Erros comuns, que não são considerados grotescos e são muito usados no dia a dia: “Thiago, you know anything about this guy?” (em vez de "do you know?"); “You better not sleep at all” (em vez de "you'd better"). 

Palavras ofensivas: quando os personagens de um romance ou de uma peça se insultam, o tradutor precisa encontrar algo que funcione na língua alvo e que também reproduza o grau de ofensividade com alguma precisão. “O peso de um insulto é uma das coisas mais difíceis de compreender para um falante não nativo e é crucial tanto para quem insulta quanto para quem é insultado” (Susan bassnett).

Uso de palavras e expressões: different uses of the word “fuck” – dependendo do lugar na frase, a palavra desempenha um tipo de função diferente – adjetivo; advérbio; substantivo. Gírias e expressões idiomáticas: “hang me out to dry”, “this is sick” (irado); “Easy-peasy. No sweat”(mamão com açúcar); “Symbolic shymbolic” (“simbólico uma ova”; “que simbólico o que...”); “Don’t okay me” (“não vem com ‘tá bom’ para cima de mim”); White Knuckle Flyer: morre de medo de avião; "there was someone behind the door, I could feel it" ("deu para sacar"). “Bring it back in one piece and not bring back one piece” => “devolva-me impecável; não imprestável”. É importante procurar compensar algo que não se conseguiu adaptar em outro trecho.

Alusões e citações: “When did your granddaughter become Joe Pesei?” (autor de “Esqueceram de Mim” que falava muito palavrão no sete de filmagens). Não temos essa referência. Mas como se trata de uma pessoa desbocada, adaptamos para algum ator brasileiro desbocado (domesticação). Domesticação e estrangeirização. Continuação da referência: “Though I don't think little David Mamet gets an allowance” => alternar para outro desbocado brasileiro.Nomes: uma personagem não se constrói apenas a partir de seu nome, mas não podemos ignorar o modo como os autores dos nomeiam -- Jean Pierre Ryngaert.Quem adapta nomes é o roteirista. “Blackwater country, like Brazil”.

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