Palestra - A tradução intersemiótica de Cidades de Papel - Dilma Machado


O processo de conversão de um livro para um filme chama-se tradução intersemiótica. Você precisa ler o livro para traduzir o filme, pois quando você lê o livro é a sua cabeça que vai criando as imagens relacionadas a cada cena. 


Tradução para dublagem não contempla somente a adaptação de um texto, mas a preocupação com sincronismo labial (os detalhes das falas são levados em consideração -- é preciso passar a sensação de que o personagem está falando exatamente o texto do áudio), sincronismo cinético (ou seja, a tradução também deve concordar com os movimentos dos personagens: uma cabeça indicando negação não pode ser acompanhada de um “sim”; se o personagem coloca as mãos na cintura, sua fala/interjeição deverá ser compatível com o gesto, os pronomes demonstrativos "deste", "daquele", "desse", "daqui" devem estar de acordo com a posição do personagem em relação ao objeto/lugar ao qual o pronome se refere; e isocronismo (a duração temporal de cada fala deve estar de acordo com a tradução -- cada frase, pausa e sincronia fonética é ajustada à duração e ao tempo em que o ator terá para dizer seu texto).

O script pode vir com a fala errada ou com algo faltando, por isso é importante se familiarizar com a história. Nem tudo que está no filme está no livro; e quando nos deparamos com algo que não está contemplado no livro,  isso  se torna um desafio.

A imagem pode também ser um limitador quando passa uma informação conflitante em relação ao enredo do livro. O cliente quer que você siga o livro. Quando usamos uma linguagem produzimos um sentido: se você lê um livro, você tem uma semiótica; se você assiste ao filme você tem outra semiótica. Então além da tradução você tem outro tipo de adaptação: levar um símbolo ou conjunto de símbolos para outro sistema semiótico. 

Dublagem: reações e falas; Legendas: preso a um software, resumo, limite de número de caracteres.

Exemplo de trechos do livro:
"Unscrew the locks from the doors"
"Unscrew the locks themselves from the gambs"
"I stay only a minute longer"
"I contain multitudes"
"I tramp a perpetual journey"

Às vezes de livro tem a tradução errada, então se o cliente mandar traduzir o filme de acordo com a tradução do livro, isso traz um problema. 

Depois de revisar a tradução, a Dilma fez algumas alterações:
"I contain multitudes": "eu tenho várias facetas" => "contenho multidões"
"I tramp a perpetual journey": "eu vadio uma jornada perpétua" => "percorro uma jornada perpétua"
"Arranquem os trincos das portas" => "Soltai as dobradiças das portas"
"Arranquem as próprias portas dos batentes" => "Soltai mesmo as portas do seus batentes"

Depois dos ajustes propostos na revisão, o erro é consertado (e se houver discordâncias quanto à existência do erro, deve-se provar que não há erro). 

"Contenho multidões" => a solução ficou interessante pois o conteúdo é dúbio, de conter (segurar) e conter (posse). O verbo "soltar" (em vez de "arrancar") os trincos das portas também se aproximou mais da intenção da frase original. Legenda: "Tenho muitas multidões".

A importância de observar a imagem do filme: no original (livro) fala-se "lock", mas na imagem do filme aparece uma dobradiça. A tradução usou trinco. Você tem que traduzir com base na imagem. O menino do filme vai na dobradiça da porta e não encontra o bilhete. Tiram a porta do lugar e não encontram nada. Os bilhetes estavam na dobradiça da porta do quarto. Veja a importância em usar a imagem do filme na tradução. No filme o menino não procura nada no trinco, então não dá para seguir o livro à risca. Na legendagem o espectador vai ouvir "locks" e ver a dobradiça, o que já gera confusão. Na dublagem isso pode ser camuflado e a tradução adaptada à imagem que de fato aparece.

Logo, com base no exemplo aqui exposto, os principais ruídos em potencial da tradução para dublagem são a compreensão, o script e a imagem.

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